Quem tem medo da investigação pelo Ministério Público?
27.06.2012 - Bruno Calabrich*
“Proibir o MP de investigar é uma
derrota para a sociedade e uma vitória para os criminosos”. Qualquer
jurista ficará bastante surpreso ao ser informado de que está sendo
debatido no Brasil se o Ministério Público pode ou não realizar
investigações criminais. EUA, Itália, Chile, Alemanha e Portugal têm
como clara a possibilidade de que o MP pratique, diretamente, atos de
investigação.
Até mesmo em lugares que
ainda adotam um modelo processual bem distinto do brasileiro, como
França e Espanha, a tendência atual é a de se conferir mais poderes ao
MP. Pode-se dizer, portanto, que a polêmica é autenticamente brasileira.
As leis que regulam o funcionamento do Ministério Público (LC nº
75/93 e Lei nº 8.625/93) – e preveem a realização de diligências
obrigatórias – têm quase vinte anos de vigência. Nosso Código de
Processo Penal, que já estabelecia o mesmo (Art. 47), tem mais de meio
século. Desde a Constituição de 1988, que fortaleceu e consolidou o
papel do MP em nosso sistema jurídico, não houve nenhuma modificação
substancial na legislação sobre o tema.
Se na lei nada foi alterado, o que certamente mudou nos últimos anos
foi o fato de que o MP brasileiro passou a desenvolver seus trabalhos
com cada vez mais eficiência, possibilitando que fossem processadas e
eventualmente condenadas pessoas que, antes, mantinham-se intocadas pela
Justiça.
Embora a realização de investigações criminais diretamente pelo MP
não deva ser a regra – no dia-a-dia, as polícias têm mais maior
estrutura para isso, além de ser essa a sua função primordial – não se
pode impedir que, em determinados casos, o MP investigue, sobre pena de
que crimes permaneçam impunes.
Uma primeira vantagem na investigação direta do MP é o ganho de
qualidade e rapidez, considerando que a prova será obtida diretamente
por aquele que avaliará sua pertinência e legitimidade para o processo.
Sob a direção imediata do MP, serão produzidas somente as provas que
realmente permitam a condenação dos culpados (ou o arquivamento dos
autos, caso se verifique a inocência do investigado). Além de zelar pela
regularidade da prova, evitando nulidades que muitas vezes levam a se
perder investigações importantíssimas, é dever do MP assegurar o
respeito aos direitos do investigado, evitando abusos infelizmente ainda
rotineiros em investigações feitas pelas polícias.
Outra vantagem da investigação conduzida pelo MP reside na
independência funcional dos seus membros, um princípio constitucional
que os preserva de ingerências hierárquicas ou externas. Promotores e
procuradores devem obediência à lei e a ninguém mais. Isso não ocorre
com as autoridades policiais, que são organizadas hierarquicamente,
subordinadas ao Poder Executivo e fiscalizadas pelo MP. Não poderia ser
diferente; é contra os pilares da nossa democracia conferir
independência a instituições armadas.
A independência funcional dos promotores de Justiça e procuradores da
República permitem que realizem de forma eficaz investigações sobre
determinados crimes que, em razão da natureza dos fatos ou dos
interesses e das pessoas envolvidas, poderiam da mesma forma não ser
investigados por outras autoridades. São exemplo disso as investigações
sobre ilícitos envolvendo policiais, políticos ou empresários com grande
poder e influência sobre autoridades públicas. Existem milhares de
investigações como essas Brasil afora, pelos ilícitos mais variados,
desde crimes cometidos por grupos de extermínio até fraudes em
licitações. Todas poderão ser anuladas caso se entenda que o MP não pode
investigar, e quem estiver preso ganhará a liberdade.
Há diversos argumentos jurídicos para que o MP investigue. O maior
fundamento, entretanto, é a necessidade de que sejam debelados os
alarmantes índices de criminalidade e impunidade no Brasil. Proibir o MP
de investigar é uma derrota para a sociedade e uma vitória para os
criminosos.
*Mestre em direitos fundamentais pela FDV, professor da Escola
Superior do Ministério Público da União, procurador da República e
membro do Grupo de Controle Externo da Atividade Policial do MPF em
Brasília
por Congresso em Foco | 27/06/2012 06:59 - http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/outros-destaques/quem-tem-medo-da-investigacao-pelo-ministerio-publico/